domingo, 31 de agosto de 2014

O mensageiro da morte

Como anjo encarnado, sua principal tarefa é servir como mensageiro. Cumprindo ordens sem questionar, já que ele é plenamente consciente de que aqueles que o enviaram são muito mais sábios do que ele.
Geralmente ele sequer compreende as mensagens, apenas diz o que deve ser dito e faz o que deve ser feito. E a cada missão cumprida se sente plenamente feliz e satisfeito por saber que está fazendo bem o seu "trabalho".

Tinha apenas 13 anos de sua vida humana atual quando recebeu uma "tarefa" que lhe causaria várias noites de insônia, mesmo sabendo que, de alguma forma que ele não é capaz de compreender, as coisas ocorreram conforme a vontade dos seus "superiores".
Já era tarde da noite, em uma rua residencial da periferia, quando ele se aproximou do grupo de garotos mais velhos. Eles estavam combinando os detalhes para seu passeio do dia seguinte. Iriam de bicicleta até uma cidade vizinha para nadar em uma represa, e voltariam ao entardecer.
Claro que, com 13 anos, ele sequer consideraria a possibilidade de ir com eles, mesmo porque ele não era fisicamente capaz de uma viagem tão longa de bicicleta. O motivo de ele estar se envolvendo nessa aventura é outro.
Ele perguntou sobre os detalhes da viagem, e ficou surpreso ao saber que um de seus primos de terceiro grau, Rafael, não estava incluso no passeio. Afinal, Rafael era conhecido por sua paixão por longos passeios de bicicleta.

Essa era sua "missão", que mesmo tão jovem sabia que deveria cumprir.
Anos mais tarde ele aprenderia a reconhecer os sinais com mais facilidade, e cumprir suas tarefas se tornaria algo tão rotineiro em sua vida, que muitas vezes viria a fazer isso sem sequer se dar conta de que isso é algo tão extraordinário.
Dessa vez, tudo que ele precisava fazer, era colocar seu primo neste passeio, ainda que não compreendesse a razão disso.

Foi até a casa do primo, o chamou no portão e foi recebido pela mãe do garoto. Uma senhora de idade que, embora não tivesse razões para isso, não ficou nada feliz em recebê-lo.
Sentiu uma grande alegria ao ver o primo, e contou sobre o passeio que os amigos do bairro estavam planejando. O acompanhou até onde os garotos estavam reunidos, e saiu satisfeito por ter cumprido sua tarefa.

Pouco mais tarde, passou novamente na casa do primo para saber se estava tudo acertado para o passeio do dia seguinte mas ficou surpreso ao saber que a mãe do garoto estava bastante transtornada, disposta a proibi-lo de ir com os amigos à tal represa.
Rafael já tinha 16 anos, e costumava fazer passeios distantes como este, além disso nadava muito bem. Ele não entendia as razões de sua mãe em querer proibi-lo dessa vez, mas estava decidido a ir, e ela não seria capaz de impedi-lo.

...

Foi uma grande surpresa, na tarde seguinte, ouvir a gritaria na rua. O choro das mulheres que recebiam os garotos sujos, cansados e visivelmente tristes. Mas não era uma tristeza comum, como a decepção por assistir seu time de futebol perdendo um jogo. Era uma tristeza profunda e amarga. E o choro estava preso na garganta de cada um deles. A dor em seus rostos era a única coisa que se podia ver.
Mesmo sendo um anjo, e tendo plena consciência da imortalidade da alma, dessa vez ele não foi capaz de encarar a mãe do Rafael, cujos olhos brilharam numa mistura de dor e de ódio ao vê-lo do outro lado da rua.
Ouviu alguém contanto o ocorrido para os vizinhos.

Ninguém era capaz de compreender como um garoto tão esperto havia sido capaz de se afogar em uma represa, cercado pelos amigos e por outras dezenas de pessoas...

Ele só pode correr de volta para casa e chorar sua própria dor pela perda do primo de uma forma tão repentina e banal. Apesar de jamais duvidar de que estava sendo guiado por seres muito sábios e puros, seu coração humano sentiu o gosto amargo do arrependimento.

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